UM CASO DA VIDA REAL

20/07/2021 |
Assunto: , Medicina, Solidariedade

Recebo uma ligação de uma moça que me pede uma visita domiciliar com muita urgência para uma amiga de sua madrinha. Ela está tão ansiosa que quer me pagar antecipadamente

RobertaF20210720

Tento entender a história. Essa senhora que está doente foi na verdade a empregada de mais de 30 anos de uma tia. Sempre viveu na casa da patroa e não tinha mais família. Há cerca de 6 anos essa tia resolveu viajar para Europa, fechou a casa e informou que não mais precisaria dos serviços de sua funcionária. Ela ficou literalmente na rua e compadecida da situação a madrinha desta moça resolve abrigá-la por alguns meses.

Meses se tornaram anos. Só que atualmente a madrinha está com câncer de mama e se trata no Inca. Não pode fazer esforço nem pegar peso. A tal senhora aparentemente piorou muito do estado de saúde, não estava andando nem se alimentando e ninguém sabia o que fazer.

Perguntei: Mas nenhum médico foi vê até agora por quê?

– Bem doutora é o seguinte, elas moram em uma comunidade. Mas é bem no comecinho. Ninguém quer ir. Mas eu mesma irei com a senhora e pago o Uber.

Pensei mil vezes, mas não tive coragem de dizer não. Liguei para um amigo e pedi que ele fosse comigo. Depois de ouvir que eu era maluca e não madre Teresa de Calcutá, no outro dia lá fomos nós e Deus para ver a senhorinha.

Era bem dentro da comunidade mesmo! Com direito a polícia na entrada, boca de fumo de fumo pelo meio e tudo aquilo que já sabemos sobre violência e afins.

Meu amigo me olhava com aquela cara de “te avisei” e eu só pensei: Deus, Você tá vendo que tô indo pra uma boa ação. Olha lá hein? Não vai me faltar agora.

Entrei na casa, parecia de boneca! Tudo tão lindinho. A madrinha uma pessoa meiga que só! Quando entro no quarto para ver a senhorinha tive certeza da gravidade da situação. Ela não estava dormindo estava comatosa. Ao examiná-la vi que provavelmente era um gigantesco AVC hemorrágico. Olhei pra moça que me contatou e ela entendeu na hora. Fui à sala e da maneira mais branda que encontrei expliquei a madrinha que a senhora estava morrendo e que precisava ir para o hospital imediatamente.

Resolvi descer a rua, fui até a viatura da polícia e pedi que me ajudassem a chamar a ambulância. Os policiais não só foram super solícitos como inacreditavelmente a ambulância chegou em menos de 20 minutos. Ela foi levada e internada em CTI.

Ao me despedir a madrinha pega minhas mãos e diz: Filha não tenho palavras pra agradecer o que você fez hoje. Você estará sempre nas minhas orações. Eu só queria que alguém me dissesse o que fazer. Ninguém quis vir aqui e eu só queria que ela tivesse dignidade para morrer.

Eu só a abracei quase morrendo e meu amigo nem soube o que dizer. Descemos o morro. Fomos pra casa em silencio. Nenhum incidente aconteceu.

Dois dias depois ela faleceu. Realmente era um AVC hemorrágico absurdo como eu havia previsto. Respirei fundo e agradeci o aprendizado. Fiz minha parte e agora ela descansa nos braços de Deus!

Hoje já não posso mais me arriscar tanto, depois de um assalto e um sequestro, infelizmente a violência me fez repensar. Mas nunca me arrependi desse dia e dessa grande lição.

Dra. Roberta França – Medicina Geriátrica

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