Sem dúvida, hoje a segurança pública no Rio de Janeiro é uma questão delicada principalmente quando atrelada ao mercado imobiliário e os impactos que essa pauta pode trazer, tanto de forma direta nas negociações, como também sendo capaz de ditar o comportamento e a mentalidade do consumidor
Por conta da luxuosidade dos espaços, com saguões atraentes, grandes jardins com paisagens estonteantes e até mesmo salões de festas e parques recreativos muito bem equipados, ou talvez pela maior segurança proporcionada, por conta dos grandes muros e grades, pelos serviços de segurança e também pelas dezenas de câmeras instaladas num condomínio, a vida nesse espaço tem se tornado uma opção mais atraente para a maioria da população.
Principalmente para os casais que já possuem filho(s) ou aqueles que planejam ter, a vida num condomínio pode trazer dezenas de benefícios. Hoje em dia cada vez mais estas construções têm agregado opções de lazer e além disso mais utilidades como, por exemplo, é possível encontrar academias disponíveis para moradores, presença de lojas e mercearias, até mesmo spas. Tirando aqueles que trabalham fora, muitos usuários desses espaços possuem tamanha infraestrutura que permite com que os mesmos nem precisem sair de dentro do condomínio onde vivem.
Existem aqueles que veem defeitos na vida “na jaula” como muitos dizem, porém os corretores devem ter conhecimento de cada serviço que esse estilo de moradia pode trazer. Sabendo de todos os detalhes como, por exemplo, se há ou não a presença de academia, pois pode ser um atrativo para os mais ativos, ou para quem tiver filhos é mais interessante uma área bem planejada e bem equipada para o lazer dos pequenos, a presença de uma piscina para os amantes do verão. Esses e outros benefícios devem ser avaliados com atenção para que o corretor entenda e possa apresentar ao cliente as vantagens que ele vai ter ao fechar o negócio.
Pode-se perceber que essa relação do consumidor com o mercado tem sofrido grandes alterações, pois além de claramente o desejo e o consumo ditarem como que o mercado deve se comportar, este também há de cativar o público devido as suas novidades, fazendo com que haja uma espécie de troca. Porém apesar de o mercado oferecer cada vez mais inovação nessa área de condomínios e em toda a experiência desse convívio em comunidade, a segurança pública hoje é um fator essencial para que os condomínios estejam em alta. O sentimento de insegurança dos cidadãos com relação à defesa da sociedade faz com que o desejo por um espaço privado aumente.
ENTREVISTA com Carlos Bernardo Vainer
“Uma cidade vive e respira urbanidade em seus espaços públicos, espaços de encontros do diverso”.
Economista e sociólogo, Carlos Bernardo é Doutor em Desenvolvimento Econômico e Social/Université de Paris. Professor titular do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (IPPURJ/UFRJ), coordenou o Programa de Graduação em Gestão Pública para o Desenvolvimento Econômico e Social. Integrou o Comitê Técnico do Plano Diretor da UFRJ e foi Secretário Executivo e Presidente da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional (ANPUR). Lidera o ETTERN (Laboratório Estado, Trabalho, Território e Natureza), onde dirige a Rede de Observatório de Conflitos Urbanos e coordena o Núcleo Experimental de Planejamento Conflitual. Em entrevista exclusiva, Carlos Bernardo Vainer comenta sobre planejamento urbano, conseqüências da vida em condomínio, iniciativas necessárias para a contribuição de uma convivência mais integrada, entre outros assuntos.
Na sua opinião, a partir de que momento começou essa preferência pelos imóveis em condomínios?
A preferência por esse tipo de imóvel resulta do que se poderia chamar de “produção da necessidade”. A Zona Sul tradicional ofereceu às classes média e média alta dos anos do pós-guerra até os anos 1970, a seu modo, a exclusividade do acesso à praia, ao mar. A partir dos anos 1970 e 1980, com a abertura da fronteira imobiliária de São Conrado e Barra da Tijuca, era possível, e necessário, oferecer algo novo. O Plano Lúcio Costa favorecia essa morfologia, por ter autorizado altos gabaritos em lotes muito mais extensos que os que haviam sido disponibilizados em Copacabana, Ipanema e Leblon nas décadas anteriores. Isso era possível, inclusive, em virtude de praticamente não haver ocupação densa anterior e de a propriedade da terra estar concentrada nas mãos de um número muito reduzido de proprietários.
A preferência por esse tipo de imóvel não é o que está na origem de sua oferta; ao contrário, e por estranho que possa parecer, serão o marketing e oferta de imóveis que produzirão distinção que gerará a preferência e, em consequência, a demanda.
Que impactos essa “geração condomínio” pode trazer para a vida em sociedade?
A Escola de Sociologia Urbana de Chicago, que nos anos 1920 a 1940 estudou o crescimento das cidades americanas e, de certa maneira, inaugurou os estudos da vida social nas grandes cidades, definia cidade como um grande aglomerado, denso e heterogêneo. Ora, a vida em condomínio é o contrário disso: as pessoas convivem apenas com seus “iguais”, “gente como a gente”, gente que tem os mesmos gostos, as mesmas ideias, a mesma cor que a gente. É o fim da heterogeneidade, e nesse sentido, a morte da cidade.
Há, por assim dizer, uma espécie de “desaprendizado” da convivência com o que é diverso, fundamental para se construir uma sociedade em que eu me veja não apenas nos que são iguais a mim, mas também nos que são diferentes. Esse “desaprendizado” gera uma ignorância acerca do outro, corrói as bases da solidariedade social.
A convivência com o outro e a urbanidade, que são (deveriam ser) as marcas da vida urbana florescem em espaços de encontro, que só podem ser os espaços públicos. Quanto mais os espaços e a cidade se fecham, se privatizam, se encerram em cercas e atrás de guaritas de vigilantes, menos espaços públicos. Uma cidade vive e respira urbanidade em seus espaços públicos, espaços de encontros do diverso.
Os condomínios hoje estão oferecendo cada vez mais infraestrutura para que seus moradores tenham tudo com fácil acesso. De que forma essa ampla oferta de serviços é importante em um momento que as pessoas estão quase sem tempo diante de tantas responsabilidades?
A questão, a meu ver, não é se os condomínios ofertam tudo ou não. Nos bairros mais tradicionais também há oferta abundante de serviços. Cito, apenas como ilustração, Copacabana, Tijuca, Méier ou Madureira. Não é a oferta abundante nem a facilidade de acesso a serviços que caracterizam os condomínios, mas o fato de que estes serviços sejam oferecidos e acessados em espaços privados, fechados. Da mesma maneira que o shopping center não é a única modalidade de oferta de serviços comerciais e de entretenimento. Umas das coisas mais atrativas de cidades como Paris ou Nova Iorque é justamente o fato de se poder acessar tudo isso nos espaços públicos, nas ruas e avenidas, sem necessidade de ingressar num templo fechado do consumo, iluminado e refrigerado artificialmente com enormes dispêndios de energia, e, consequentemente, com imensos impactos ambientais.
Diante da questão da segurança, o senhor acredita que trata-se de uma tendência que irá durar por muitos anos essa escolha por unidades dentro de condomínios fechados?
Acredito que políticas governamentais deveriam favorecer a criação e o desenvolvimento de bairros e sub-bairros mistos. Há muitas cidades no mundo que têm leis que preveem que empreendimentos de certo porte não podem ser homogêneos – do ponto de vista racial e do ponto de vista de renda. É uma visão que promove uma cidade social e racialmente mais integrada, e portanto mais democrática. Eu espero que sejamos capazes, e a indústria da promoção imobiliária compreenda isso, que queremos cidades mais justas e mais integradas. Que os filhos das famílias de classes médias altas convivam na pelada na rua ou na quadra de um parque público com os filhos de famílias mais pobres. Acredito que isso prepara as bases de uma sociedade mais democrática, mais tolerante, capaz de conviver com o diverso e aprender com essa convivência.
É correto afirmar que as pessoas que optam pelos condomínios estão priorizando mais o “usar” do que “ter”?
Os imóveis, inclusive os de condomínios, são mercadorias, e como todas as mercadorias, eles têm valor de uso (são úteis) e valor de troca (mercantil). Ao adquirir um imóvel, as pessoas adquirem ambas as coisas, e podem usufruir desses dois atributos. Algumas comprarão e usarão, outras comprarão e alugarão para auferir a renda, ou na expectativa de virem a ser beneficiar numa venda futura de alguma valorização. Se o imóvel não tivesse estes dois atributos não seria uma mercadoria. E os corretores de imóveis sabem muito bem que é necessário, num esforço para convencer o potencial comprador, enfatizar as duas dimensões ou facetas dessa mercadoria. “Você e sua família vão ser muito felizes nesse condomínio e você está fazendo um ótimo investimento”.
A oferta e preferência por imóveis mais compactos em condomínios têm alguma relação com essas mudanças?
A busca e oferta de moradias mais compactas têm a ver com mudanças demográficas que alteraram profundamente o tamanho e a estrutura das famílias e do aumento do número de pessoas vivendo sós – sejam mais velhos, em virtude da maior longevidade, sejam mais jovens, em virtude da opção pelo celibato ou por um casamento mais tardio.
Isso não é característica dos condomínios, mas de todos os novos imóveis que são lançados. Como uma grande parte dos lançamentos tem o formato “condomínio”, isso parecer ser uma característica que lhe é própria.
Na sua opinião esse tipo de empreendimento atrai todos os perfis de família ou atinge um público mais específico?
Acho que, no momento atual, é cada vez menor a possibilidade de optar por imóveis novos que não adotem este padrão. Não tenho dados, mas apostaria que mais de 80% dos imóveis lançados hoje adotam este padrão, mormente nas regiões que chamo de fronteiras da promoção imobiliária, onde ocorre a maioria dos lançamentos – Zona Oeste de modo geral: Barra, Recreio, Vargens, Jacarepaguá, Campo Grande etc.
No que tange ao planejamento urbano que consequências o crescimento dos condomínios pode causar para as cidades?
O planejamento não lida, ou não deveria lidar, apenas com a forma da moradia, mas também com sua localização. O que assistimos é uma extensão insana da malha urbana, quando há muitas áreas vazias e disponíveis nos interstícios da cidade já consolidada, inclusive nos centros urbanos. A extensão descontrolada da malha urbana impõe absurdos custos – novas vias, novas redes de energia, gás, abastecimento de água e esgoto, novos serviços de transporte público. A utilização das áreas já disponíveis e urbanizadas se faria a custos infinitamente mais baixos, e com resultados e eficiência infinitamente mais altos. Além do mais, há que considerar os custos e tempos de deslocamento, o estresse e os problemas de saúde decorrentes, a poluição atmosférica resultante de trajetos mais longos e demorados, a impermeabilização dos solos, entre outros efeitos deletérios da extensão descontrolada e desnecessária da malha urbana.
Fonte: Stand Edição 48 – Revista do Creci-RJ
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