Entrevista Marli Peçanha – “O medo de alguns políticos é o excesso de educação”

01/10/2021 |
Assunto: , Direitos Humanos, Gestão, Política

Secretária Municipal de Ação Comunitária do Rio fala sobre combate
à evasão escolar, oferta de serviços e projetos sociais nas comunidades

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À frente da Secretaria Municipal de Ação Comunitária do Rio, Marli Peçanha defende a Educação como saída transformadora de enfrentamento à desigualdade. Em entrevista ao jornal O DIA, a secretária falou sobre como conseguir manter as crianças em sala de aula, diminuindo a evasão escolar. “Não adianta nada ter uma escola moderna, com atividades que interessem aos jovens dentro das áreas de tecnologia, esporte e cultura, por exemplo, se não tivermos um olhar mais atento às causas do abandono escolar, que passam pela desestrutura familiar, pela necessidade precoce de trabalhar para ajudar a família, entre outras. Às vezes, um cadastro social, por exemplo, pode resolver o problema. Muitas famílias não sabem como se inscrever e obter renda social para manter os filhos na escola”, explica. “O medo de alguns políticos é o excesso de educação. Educação é o instrumento que capacitará as lideranças a discutirem diretamente com a Prefeitura as políticas públicas a serem adotadas”, completa.

O que falta para a população da favela ter serviços essenciais, como saneamento básico, água, esgoto, luz, limpeza urbana?

A Prefeitura, através da Secretaria de Ação Comunitária, está trabalhando para atender essas e tantas outras demandas dos moradores de favelas e comunidades. A SEAC surge para dar voz e vez aos menos favorecidos. É através do Programa Favela com Dignidade que a Prefeitura vai atuar diretamente nessas questões. Estamos promovendo a integração das políticas intersetoriais a fim de garantir e facilitar o acesso aos serviços essenciais como o saneamento, por exemplo. Parte do dinheiro da venda da Cedae que chegará à Prefeitura será destinado ao saneamento de favelas e comunidades. Em parceria com a RioLuz, estamos melhorando a iluminação nas favelas. O Recicla Comunidade, um projeto nosso, vai transformar o lixo produzido nas favelas em dinheiro e reforçar a renda da população através da cadeia produtiva da reciclagem. É preciso conscientizar os moradores de comunidade que lixo precisa de destino certo e esse destino não são as ruas, vielas, valas ou rios. Asseguro que favelas e comunidades não serão invisíveis aos olhos do poder público.

Como melhorar o acesso da população das favelas à saúde e à educação?

Mais que melhorar o acesso é melhorar cada vez mais a qualidade do serviço prestado aos alunos, e isso vai da merenda ao ensino. A Prefeitura já vem fazendo isso, assim como investir mais na rede básica de saúde. O programa Favela com Dignidade tem entrado nas comunidades, com os profissionais da Educação, para combater a evasão escolar e rematricular crianças e jovens. Vivemos momentos muito difíceis com a pandemia, que fechou as escolas. A Prefeitura está reequipando as Clínicas da Família, recontratando equipes, regularizando o fornecimento de medicamentos, oferecendo dignidade às pessoas e investindo na atenção básica.

Quais as maiores dificuldades da atuação dos líderes comunitários em locais dominados pelo tráfico ou pela milícia?

Estamos investindo em educação junto às lideranças comunitárias através do SEAC Rio em Rede – Líderes Que Transformam. O curso, com mais de 500 inscritos e que começou em agosto, dará ferramentas para que eles mudem a realidade onde moram. O medo de alguns políticos é o excesso de educação. Educação é o instrumento que capacitará as lideranças a discutirem diretamente com a Prefeitura as políticas públicas a serem adotadas.

Quais são os maiores prejuízos para as comunidades que vivem sob o jugo de milícias e traficantes?

Quando o poder público entra nas comunidades e favelas, não há espaço para dificuldade. Estamos conseguindo avançar através das lideranças comunitárias, do diálogo. As demandas das comunidades são importantes para todos.

A senhora deu aula na Cidade de Deus nos tempos de Manoel Galinha e Zé Pequeno. O que mudou na região daquele tempo para hoje?

A Cidade de Deus cresceu muito, cresceu tanto que virou bairro. Na década de 80, surgiram várias associações de moradores. A chegada da Linha Amarela, em 1997, dividiu a CDD ao meio. Hoje temos mais escolas. Chegaram as EDIs. Os tempos trouxeram melhorias como as unidades de saúde, creches, bancos, mercados, urbanização. Nós, da Prefeitura, atuamos para levar serviços essenciais de saúde, educação e urbanização, entre outros, e, dessa forma, restaurar a dignidade das cerca de 38 mil pessoas que se espalham em mais de 13 mil casas na CDD.

Quais os maiores desafios para a permanência de crianças e adolescentes da favela em sala de aula?

Tornar a escola mais atrativa, com um controle de frequência mais apurado para detectar precocemente a evasão e, assim, identificar as causas do abandono. Não adianta nada ter uma escola moderna, com atividades que interessem aos jovens dentro das áreas de tecnologia, esporte e cultura, por exemplo, se não tivermos um olhar mais atento às causas do abandono escolar, que passam pela desestrutura familiar, pela necessidade precoce de trabalhar para ajudar a família, entre outras. Às vezes, um cadastro social, por exemplo, pode resolver o problema. Muitas famílias não sabem como se inscrever e obter renda social para manter os filhos na escola. E aí entra o programa Favela com Dignidade que também leva esses serviços, por exemplo, às comunidades.

Como é o programa Favela com Dignidade?

O programa Favela com Dignidade veio para dar voz e vez aos mais vulneráveis. É através de forma participativa que os principais serviços da Prefeitura vão chegar aos moradores de favelas e comunidades. Além de serviços estruturais, como asfalto, tapa buraco, desobstrução de caixas de esgoto, troca de luzes, sinalização, estamos proporcionando inscrições para emprego e renda, retirada de documentação, rematrículas e matrículas escolares assim como cadastramento no Bolsa Família. Na Vila Sapê acrescentamos vacinação contra a covid e a gripe. Um evento onde a população pode resolver seus problemas de uma só vez. Dentro desse programa, temos ainda três projetos.
O Turistando vai dar ao morador o direito de conhecer a cidade onde mora. O projeto vai democratizar o Rio, valorizar a cultura, a arte e mostrar o poder transformador produzido pelas comunidades. O Recicla Comunidade vai mostrar que é possível transformar lixo em dinheiro e reforçar a renda da população através da inclusão social. Sem contar que vamos preservar o meio ambiente da comunidade onde o projeto será implantado. Já temos um em Manguinhos. Serão 40 pontos de Recicla nas favelas da Cidade. E, por fim, temos o Casa Carioca que vai, nos próximos três anos, realizar pequenas reformas em 20 mil casas de dez Complexos de favelas. Essas melhorias vão minimizar as condições precárias de moradia, contribuindo para a qualidade de vida.

Que ações práticas podem ser feitas para diminuir a violência contra a mulher e o racismo nas comunidades?

Conscientizar a população sobre seus direitos. Trabalhar em parceria com outras secretarias, como a da Mulher, Juventude e Ordem Pública, através da Ronda Maria da Penha, da GM-Rio, para que as vítimas se sintam respaldadas no enfrentamento ao racismo estrutural e à violência contra a mulher. Cabe ao poder público mostrar o caminho e também fornecer as armas para que essa batalha seja vencida. Armas essas que passam pela educação, pela justiça. É preciso mostrar que favelas e comunidades, ao contrário do que pensa a sociedade, não são um problema. Essas áreas, onde moram 24% da população carioca, precisam ser vistas como referências positivas da cidade em que vivemos. Um exemplo de flexibilidade, criatividade, resiliência e senso de coletividade.

Fonte: Jornal O DIA
+Marli Peçanha

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