Um passo além na responsabilidade

16/10/2018 |
Assunto: , Comportamento

“A responsabilidade de todos é o único caminho para a sobrevivência humana” – Dalai Lama

SamantaL20181016

Você já parou para pensar em como seria o mundo se todas as pessoas assumissem verdadeiramente a responsabilidade por seus comportamentos, palavras, escolhas e atitudes? Não tenho dúvida de que muitas coisas seriam diferentes, por isso eu aprecio a companhia diária dessa questão.

Ter uma atitude responsável é condição obrigatória para que possamos oferecer uma participação de qualidade nas mais diversas esferas da vida: família, amigos, trabalho, saúde etc. Ser hábil para responder, que é uma das traduções mais simples da palavra responsabilidade, sobre todos os assuntos nos quais nos envolvemos deveria ser a meta número um.

Existe uma forma de analisar a responsabilidade, que favorece um entendimento mais aprofundado. Pense que a responsabilidade pode ser dividia em três terços iguais (eu – outro – ambiente). O primeiro terço representa tudo aquilo que está sob o seu controle, sob a sua influência (eu). O segundo terço diz respeito a tudo o que está sob o controle das outras pessoas (outro). O terceiro terço abrange o que está na alçada do ambiente, logo não pode ser controlado por ninguém (ambiente).

Por exemplo, você não tem nenhum tipo de controle ou influência sobre as condições climáticas (ambiente) da sua cidade no dia de hoje; se chover ou fizer sol, vai acontecer de qualquer maneira, independente da sua vontade ou influência. Não podemos nos responsabilizar pelas questões que estejam na esfera do ambiente, para mais que isso seja um desejo real.

O mesmo se aplica às questões que estejam sob o domínio das outras pessoas (outro). Por mais que você tente, não vai conseguir fazer com que uma pessoa aja de maneira diferente, caso ela não esteja disposta a fazer isso. Esse talvez seja o motivo de boa parte das nossas frustrações, alimentar a expectativa de que seremos capazes de mudar a outra pessoa, de acordo com nossas intenções e necessidades.

Costumo brincar com meus alunos que é exatamente isso o que explica a dificuldade de manter os casamentos. O homem casa com a mulher esperando que ela não mude depois do casamento, mas ela muda e bastante. Já a mulher casa com o homem acreditando que ele vai mudar depois do casamento, mas ele permanece a mesma pessoa. Por mais que adotemos um tom descontraído ao encontrar essa constatação, não podemos nos responsabilizar pelas questões que estejam sob a responsabilidade das outras pessoas. Isso vale para cônjuges, professores, pais, filhos e gestores.

Agora, é evidente que sob o terço de responsabilidade que nos cabe (eu), podemos e devemos exercer 100% de controle ou influência por menor que essa parte pareça ser diante do todo. Reconhecer a própria responsabilidade nas diversas contingências do dia a dia e exercer seu verdadeiro papel é uma atitude que diferencia as pessoas excelentes das pessoas comuns.

Contudo, não é raro observar posturas opostas a essa. Algumas pessoas criticam os outros, procuram culpados e reclamam veementemente de seus ambientes e realidades antes de terem feito a sua parte de maneira completa e efetiva. Não assumem a responsabilidade por nada e colocam-se na posição de vítimas, como se a reclamação por si só pudesse ser capaz de alterar o cenário.

Afinal, responsabilizar o trânsito, o clima, a situação econômica do país, a atendente do banco e tantas outras ocorrências que não podemos controlar dá muito menos trabalho. Não requer prática nem tampouco habilidade.

A condição básica para se exigir que o terço do outro e o terço do ambiente sejam cumpridos, é ter cuidado 100% do seu terço. Somente nesta condição é que se pode exigir alguma coisa de alguém, nunca antes.

Você consegue se imaginar contratando o serviço de um site para dar uma desculpa em seu nome ou para por fim a um relacionamento no qual você não se sente mais satisfeito? Pois é, eu também não. Mas por mais incrível que possa parecer, já existiram sites que prestavam esse tipo de serviço (ou desserviço) e o mais intrigante é que conquistaram muitos clientes.

Um site americano intitulado AlibiNetwork, que ficou no ar por mais de dois anos, se especializou em fornecer álibis para toda e qualquer ocasião, desde uma ausência até uma justificativa para um presente muito chinfrim que você ofereceu a alguém. Embora a maioria dos clientes fosse dos Estados Unidos, o site foi visitado por pessoas de mais de 150 países e durante seu período de atividade, seus idealizadores chegaram a planejar a abertura de outros três escritórios na Europa e o oferecimento de desculpas em outros idiomas, além do inglês.

Já o portal australiano Sorry it’s Over oferecia seus serviços para colocar um ponto final no seu namoro, noivado ou casamento da forma que lhe parecesse mais conveniente (via SMS, telefone ou e-mail) dependendo de quanto dinheiro você estivesse disposto a investir. Para os mais abastados (ou encrencados, se preferir) a empresa oferecia um representante, que iria pessoalmente fazer o trabalho sujo.

Embora haja um tom caricato nestes dois exemplos, pense um pouco no tipo de pessoa que contrataria esses serviços e de que forma ela levaria sua vida sob o ponto de vista da responsabilidade. Como ela enfrentaria os problemas gerais do dia a dia? Qual seria o seu nível de compromisso? Provavelmente seria alguém que também segue se especializando na habilidade de dar desculpas e se esquivar de suas responsabilidades.

Vamos levar essa reflexão para o universo do trabalho. Você já deve ter ouvido expressões do tipo “esse problema não é meu”, “a minha parte já foi feita”, “essa não é minha função” ou “eu já enviei o e-mail”. Elas inicialmente são apresentadas como justificativas para algo que deu errado, mas trazem na sua essência uma imagem de inércia, omissão, fuga, descompromisso, visão fragmentada, procrastinação e transferência de responsabilidade diante de situações difíceis e complexas.

Essa situação fica ainda mais crítica quando tais atitudes refletem a cultura da empresa. Na minha atuação como consultora, já me deparei algumas vezes com empresas que reforçavam atitudes de baixa responsabilização ao passo que gastavam muito mais tempo e energia na busca por culpados do que com a busca da solução de seus problemas. A impressão que se tem é a de que o cérebro só consegue trabalhar com as possíveis soluções depois que alguém foi identificado como culpado e devidamente punido.

Por isso, é tão importante defender e disseminar o conceito da responsabilidade, não apenas para que as pessoas desenvolvam e aprimorem a habilidade de responder pelos próprios atos e assuntos, mas para que também possam crescer e nos desenvolver continuamente.

O consultor e escritor João Cordeiro (2013) propõe uma evolução no conceito da responsabilidade pessoal que parece ser uma excelente alternativa para os problemas crônicos que enfrentamos nas empresas e na sociedade. Ele se utiliza do termo accountability para descrever a competência de pegar para si a responsabilidade e gerar respostas com resultados, isto é, saber o que precisa ser feito e fazer. Pensar como dono e protagonismo são termos muito associados a esse conceito e estão cada vez mais presentes no cotidiano das empresas.

O autor apresenta essa competência sob a forma de uma virtude moral, que por sua vez é o que leva o ser humano a exercer sua capacidade de fazer o bem.

A prática constante e consistente da accountability o torna uma pessoa accountable, que passa longe das pessoas comuns. Mas independente da memorização destes termos, que são relativamente novos no vocabulário corporativo, quero dividir com você as atitudes e os comportamentos observados nessas pessoas. Desta forma, você poderá ser mais assertivo em suas observações e identificar mais rapidamente a presença destas pessoas.
Uma pessoa accountable coloca seu foco na solução, ao invés de colocar no problema, antes de tudo ela decide resolver o problema. Essa atitude permite que ela tome ações imediatas, faça as perguntas certas e use as respostas que verdadeiramente a aproximarão de seus objetivos.

Uma pessoa accountable é inconformada diante de processos ineficientes ou serviços ruins. Coloca suas competências a serviço dos resultados esperados, priorizando aquilo que é importante para o cliente e para a empresa.

Uma pessoa accountable tem genuíno interesse em fazer a diferença para melhorar o ambiente em que vive, seja uma empresa, uma comunidade ou a sociedade como um todo. Existem inúmeros exemplos de pessoas que, ao exercerem uma atitude verdadeiramente responsável, independente do cenário e de suas condições, conseguiram mudar a vida de muitas outras.

A brasileira Maria da Penha Maia Fernandes é um bom exemplo disso. Vítima de duas tentativas de homicídio pelo próprio marido, em 1983 ficou paraplégica em virtude de toda violência que sofreu. Inicia uma luta concreta por justiça e dezenove anos depois, seu agressor foi condenado a oito anos de prisão. Surge assim a Lei Maria da Penha (11.340/2006) que já amparou e mudou o destino de inúmeras mulheres vítimas de violência doméstica. Para ela, sua história de dor e coragem se apresenta como “uma forma de contribuir com transformações urgentes, pelos direitos das mulheres a uma vida sem violência”.

É também o caso de Don Schoendorfer, que desenvolveu na garagem de sua casa, a cadeira de rodas mais barata do mundo e já conseguiu mudar a vida de centenas de milhares de pessoas, especialmente nas regiões marcadas pela pobreza extrema, pela falta de perspectivas de uma vida mais digna e pelas guerras. Quando possível, dê uma olhada no site da Free Wheelchair Mission e inspire-se com a beleza desta iniciativa.

Lembre-se de algo que já mencionei antes: todo comportamento que pode ser observado, pode ser ensinado e aprendido. Com a postura accountable não é diferente.

Cordeiro afirma que a accountability pode ser desenvolvida de maneira ativa em longo prazo, em que há o interesse próprio de chamar para si a responsabilidade e fazer disso um hábito, tal como acontece com as pessoas que ao longo da vida enfrentaram muitos revezes, mas sempre foram capazes de encontrar alternativas de ação, ao invés de adentrar na esfera da vitimização. Também pode ser desenvolvida de forma ativa em curto prazo, pela força das adversidades que enfrentamos todos os dias, especialmente aquelas mais extremas que ameaçam nossa sobrevivência e exigem que nos responsabilizemos de forma imediata. Há também o desenvolvimento passivo da accountability, no qual uma pessoa cultiva os hábitos da responsabilidade por ter contado com a influência de bons modelos, sejam eles dentro da família, na escola ou na cultura de uma empresa.

Pense um pouco nestas possibilidades e nos diversos papéis que você desempenha na sociedade – marido, esposa, pai, mãe, professor, mentor, gestor. Então escolha de que forma pode contribuir para que você mesmo e as pessoas ao seu redor possam dar um passo além na responsabilidade, para que possam mudar de nível e cooperar na construção de um mundo melhor.

Samanta Luchini
Psicóloga, coach e consultora especializada em Desenvolvimento Humano, com ênfase no ambiente organizacional.

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