Experiência e Imprevistos

22/11/2020

Não eram eles que não sabiam ouvir
Eu é que não sabia falar com eles

Certa vez, no Centro Cultural São Paulo, na capital paulista, dei uma palestra sobre dignidade humana para a Associação dos Amigos da Biblioteca Braille. Havia quatrocentos cegos na plateia.

MSCortella20201122

Sim, cegos, pois eles não gostam de ser chamados de deficientes visuais, uma alcunha dada por aqueles que não perguntam aos interessados como desejam ser chamados. E, às vezes, é muito diferente o modo como você gostaria de ser chamado e como as pessoas te chamam.

Se você chama alguém do jeito que ela gosta, está criando uma ponte. Se a chama como acha que deve chamar, pode estar criando uma barreira. Durante uma parte da minha palestra, eu me referi a eles como deficientes visuais.

Até que, em dado momento, um deles, com muita educação, disse que eles não eram deficientes visuais, e sim cegos. Mudei na hora e passei a chamá-los do modo que lhes agradava.

Derrubei a barreira e ergui a ponte. Esse, no entanto, estava longe de ser o principal aprendizado do dia. Houve outros, um deles óbvio, mas muito útil, o de que há muitas maneiras de enxergar a mesma coisa.

O segundo: como palestrante diante de uma plateia de cegos, eu, sem perceber, estava sendo condescendente. Em vez de acolhê-los, tinha um pouco de piedade, um erro crucial, uma vez que os diminuía como pessoas.

Eu tomava mais cuidado com a fala, pronunciava as palavras de modo mais enfático e pausado. Parecia que eu temia que eles não pudessem me entender. Mas não eram eles que não sabiam ouvir. Eu é que não sabia falar com eles.

Mario Sergio Cortella
www.mscortella.com.br

+Mario Sergio Cortella

Voltar Próximo artigo