Estresse é coisa para fracos, só que não!

30/10/2020 |
Assunto: , Comportamento, Saúde, Tecnologia

Meus 30 dias de um necessário Detox Digital

CiscoBrasil20201030

Em quase quatro décadas trabalhando no mercado de tecnologia, poucas vezes fiquei completamente desconectado. Na verdade, quantos de nós não nos vemos nessa situação hoje?

A ideia de dias off-line parece ter se tornado algo impossível ou apenas relativo. Afinal, não são raras as ocasiões em que tentamos nos desconectar, mas continuamos vendo e respondendo mensagens no celular a todo tempo, ou vendo um ou outro e-mail para conferir se está tudo bem no trabalho. Qualquer minúsculo intervalo entre as atividades, usamos para responder alguma mensagem ou ver uma novidade em alguma mídia social. Sem contar quando estamos em um jantar, por exemplo, e, na verdade, estamos conectados no celular “participando” de dezenas de outros jantares ao mesmo tempo.

E assim a mente vai ficando ultra-hiper-conectada. Barreiras entre vida pessoal e profissional quase já não existem mais, ora você está trabalhando e falando com a família, ora curtindo a família com uma mão e, com a outra, teclando no celular em alguma outra atividade. Seu corpo pode estar presente ali, mas e sua mente e seu coração? Onde estão afinal?

Mas, como vou contar neste relato, me vi obrigado a cortar qualquer conexão com o mundo digital por trinta dias, praticamente cinco semanas, o que resultou em um período de surpreendentes aprendizados.

A primeira coisa que me vem à mente – e pode surgir na sua também – é: como eu, na posição de presidente no Brasil da maior empresa de plataformas de conectividade do mundo, que tem como missão conectar pessoas, empresas, governos, cidadãos e tudo mais, decidi passar esses dias off-line?

Mas é isso. Eu, que sempre preguei “a tecnologia que salva é a mesma que cega”, estava ficando cego.

O baque

Tudo começou com um alerta do meu próprio corpo. Em uma semana de trabalho excepcionalmente exigente, tive um episódio de mal-estar como poucas vezes vivenciei, senti forte tontura e tive um pico de arritmia incontrolável, que elevou minha pressão arterial a níveis não conhecidos pelo meu corpo até então. Após uma indesejável noite em observação no hospital e muita medicação, recebi o diagnóstico: era o estresse que, se mal cuidado, me levaria ao conhecido burnout.

Eu estava esgotado mentalmente. Era meu corpo enviando uma mensagem muito clara: Laércio, você precisa de pausa. Justo comigo, que, levianamente, achava que esse papo de estresse e saúde mental era coisa apenas para os outros, só que não. A verdade é que uma mente hiper conectada, desalinhada de seu corpo e coração, pode te levar a caminhos escuros, e lá estava eu, buscando luz. Acordei por várias noites achando que eu estava tendo um treco qualquer, ia ao hospital correndo, e nada tinha.

Eu estava literalmente no escuro, buscando luz

Eu simplesmente amo o que faço e amo o momento de vida profissional e pessoal que estou vivendo, mas aprendi imediatamente nesse episódio que, mesmo fazendo as coisas que você ama, você vai ficar esgotado se a quantidade for excessiva e ininterrupta, e o digital potencializa isso.

Aprendi sim, a duras penas, que com a hiper conectividade da mente, sem pausa, a conta vem uma hora, e minha conta veio.

A decisão

Depois de conversar com a minha família e com meus colegas da Cisco, tomei a decisão de tirar quase 5 semanas ininterruptas de férias, um período longo para quem, como eu, sempre preferiu períodos fracionados de descanso. Mas não seriam quaisquer férias. Um período de descanso real e total, longe do mundo virtual. Um verdadeiro Detox Digital.

Tomei a decisão de ficar completamente desconectado de qualquer meio de comunicação digital: e-mails, mensagens, redes sociais e até mesmo de televisão. Apenas eu e minha amada família, que é tudo pra mim. Para me proteger de um possível deslize, caso eu precisasse do celular para alguma urgência, deletei efetivamente todos os aplicativos de mensagens e de todas as redes sociais, cortei tudo, e lá fui eu.

Avisei meus familiares, amigos próximos e meu time na Cisco que deixaria o telefone desligado e que minha esposa seria a ponte de contato em caso de emergência. E aqui não posso deixar de destacar a felicidade que tenho em trabalhar em uma empresa como a Cisco, com pessoas incríveis que compreenderam essa necessidade e fizeram com que eu me sentisse ainda mais seguro para tomar essa decisão.

Ter uma equipe afiada é tudo, não me ligaram uma só vez! E ter uma liderança aberta é tudo, meus superiores me apoiaram totalmente nesse momento.

A experiência – E como foram esses 30 dias?

Seria leviano da minha parte dizer que o começo foi fácil. Nos primeiros sete dias, senti uma verdadeira crise de abstinência de um hábito que não imaginava viver sem. Foram noites mal dormidas, crises de ansiedade e até mesmo sonhos em que estava trabalhando, respondendo e-mails, mensagens e que algo de errado estava acontecendo e eu não estava lá pra ajudar. A realidade é que eu estava viciado na vida digital (e de certa forma, ainda estou) e nessa primeira semana foi como se meu corpo e mente lutassem contra essa realidade off-line.

Com o apoio da minha linda esposa e de meus filhos, consegui superar essa crise inicial e me vi diante de uma nova realidade. Pela primeira vez em muito tempo, eu viajei com minha família com corpo e mente 100% presentes, e fomos a lugares que eu não conhecia como o Pantanal Sul-Mato-Grossense e Bonito, por exemplo, que ficam perto da minha cidade natal, Batayporã, e claro que dei uma passada por lá também. Afinal, a grande metrópole não poderia ficar de fora.

E lá, distante das conexões digitais, tive a oportunidade de apreciar plenamente a natureza e valorizar ainda mais meu tempo com minha família. Posso garantir: ver meus filhos tendo experiências novas, em total contato com a natureza, sem eu pegar o meu celular de trinta em trinta segundos para ver se tinha algo importante, é uma memória que vou levar por toda a minha vida. Nos deparamos com onças e todo tipo de animais, contemplamos lugares exorbitantemente lindos, nos divertimos demais, com direito até a um asqueroso, porém divertidíssimo, banho de lama!

Foi libertador. Logo, a necessidade de me conectar foi diminuindo. Foi um verdadeiro detox digital.

Nunca imaginei como essa decisão me faria tão bem. Quando retornei ao mundo conectado, um mês depois, me senti totalmente renovado. Em 24 horas eu já estava totalmente atualizado sobre o trabalho e as novidades do mundo. Como uma novela que você fica um tempão sem assistir e em um único capítulo já se inteira de tudo.

As reflexões

Não era apenas uma questão de saúde física, mas também mental. Me senti uma pessoa mais leve, mais feliz e, principalmente, mais preparada do que nunca para o trabalho, com foco e motivação aguçados. Mas muito mais do que isso, as reflexões me fizeram crescer demais como profissional e como o ser humano vulnerável que sou. Também me perguntei quais lições eu poderia tirar dessa experiência. Afinal, como alguém que acredita nos benefícios que a tecnologia pode trazer para as pessoas encara esse período?

Refletindo sobre tudo o que aconteceu desde a minha noite no hospital, a primeira coisa que aprendi é que esses trinta dias de detox não seriam necessários se houvesse um equilíbrio adequado na minha vida entre o online e o off-line.

É preciso fazer regularmente pequenos detox digitais para não precisar, como foi meu caso, de um longo período longe do mundo virtual para recuperação.

Como já comentei, achava que estava tudo sob controle, e que fazer um milhão de coisas ao mesmo tempo era divertido. Que acordar de madrugada e mandar mensagens demonstrava dedicação, e tirar férias e trabalhar um pouquinho todos os dias fazia parte. E porque não aproveitar os milissegundos entre uma atividade e outra para olhar o celular? Ou aproveitar aqueles minutos antes de dormir ou mesmo aquela noite de insônia para colocar alguns assuntos digitais em dia? Tudo isso era normal e tranquilo. Só que essa falta de presença e equilíbrio vai levando sua mente ao esgotamento, sem você perceber.

E não é só sobre o trabalho, mas também sobre a conexão digital com todos os amigos, familiares e grupos sociais. Responder a tudo imediatamente é um vício e pode até dar uma sensação de alívio imediato, mas tudo isso junto vai nos cegando, sem percebermos. De forma imperceptível, você passa a ter sua vida e seu dia a dia sendo guiado por toques de celular, sinais, alertas e luzinhas vermelhas.

Sempre amei meu trabalho, e, por conta desse amor, muitas vezes me vi trabalhando em momentos em que não deveria. Isso me levou a não enxergar mais alguns sinais de alerta anteriores.

E, com isso em mente, a palavra que não me sai da cabeça é equilíbrio. Eu sempre me achei um cara totalmente equilibrado e super consciente, mas o mundo digital mal aplicado inibiu a minha percepção de que não era bem assim.

Esse período desconectado e os benefícios que senti a partir dele não me fizeram acreditar menos nos benefícios da tecnologia. Pelo contrário. Hoje acredito ainda mais no impacto positivo que a tecnologia pode ter na vida das pessoas, no poder de conexão entre o estudante e a escola, entre a saúde e o paciente, entre a oportunidade e o cidadão em busca de um sonho, mas não podemos esquecer de usar essa tecnologia de forma responsável e equilibrada em nosso dia a dia. O equilíbrio é essencial para enxergarmos os outros aspectos fundamentais da nossa vida, como saúde, família e contato humano.

A tecnologia existe para o ser humano, e não o ser humano para a tecnologia. A tecnologia é uma ferramenta nas mãos do ser humano, e não o ser humano uma ferramenta nas mãos da tecnologia. A tecnologia pode automatizar tudo, mas nunca, jamais, vai automatizar um abraço gostoso, sincero e plenamente presente.

A partir dessa minha experiência pessoal, passei a criar o hábito de ter momentos desconectados e desacelerados, levando também esse equilíbrio para as pessoas próximas de mim. E posso dizer que, se colocarmos isso em nossas vidas – como parar para fazer nossas refeições devidamente longe do celular, ou dar atenção aos nossos filhos sem disputar com o blip, mesmo por curtos períodos do dia, mas que sejam de qualidade – ninguém precisa se desconectar completamente como eu precisei. E assim, com cada lado devidamente posicionado na balança, acredito que podemos valorizar ainda mais o que há de melhor no mundo digital e no nosso mundo real sem telas.

Guarde esse conselho

O Criador está no controle de tudo, não você. Seu corpo precisa de pausa, sua mente precisa de pausa, você precisa de pausa. Não espere seu corpo gritar e pedir. Faça curtos, porém verdadeiros detox digitais regularmente, para que você não precise, como eu precisei, de um longo período de desconexão.

Eventualmente pode ser tarde demais.

Laércio Albuquerque
Presidente da Cisco Brasil

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